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Ilustração The Queen Mary Psalter, de acordo com Bestiário Divino de Guilherme de Clerc

O veado é inimigo das cobras como Cristo do Demo. Quando um veado dá com um buraco onde se esconde uma cobra, atira-lhe com água, lança-lhe o bafo mortífero para dentro, obrigando o réptil a sair do covil e depois mata-o.
Quando o veado macho está velho, engole a serpente venenosa. De seguida procura um riacho, onde bebe a água que o vai revivificar, fazendo-o rejuvenescer, largando a velha armação dos cornos.

A lenda prende-se com os cultos dos ciclos de renovação da natureza e da floresta- próxima do Cernunnos celta e na versão cristianizada o poder do veado é associado a Cristo e à fonte da vida. Os que bebem dela, tal como o veado, limpam-se dos pecados.
«Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!»
Sl 42.1-2.

A alegoria moral dos veados que se entreajudam a atravessar o rio é comparada à ajuda que os cristãos prestam ao indicarem os triunfos terrenos em direcção à bem-aventurança celeste.

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Cernunnos rodeado por animais- painel de caldeirão celta encontrado na Dinamarca (meados séc VII)

Cervo do monte a água volvia

Pero Meogo “Levóus’ a louçana, levóus’ a velida”


O veado bebe no rio e purifica o espaço feérico
Cervo do monte a água volvia
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Sarcófago de Alexandre(séc. IV)

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Winchester Round Table (original de cerca de 1290)
Repintada 1290 para visita de Estado do Imperador Carlos V a Henrique VIII da Inglaterra (1522)

Na sala dos Brasões, do Palácio de Sintra, D. Manuel mandou pintar a alegoria. Em torno do escudo régio- do qual ele era o centro, rodam setenta e dois brasões de armas das casas dos mais importantes pares que se esforçavam na vassalagem. O número é alegórico – corresponde aos setenta e dois servidores de Cristo.
«Depois disto, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir (…)Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos».
Lc 10,1–20

Manuel Orbis Rex est e Rex Orbis est
Manuel Orbis Rex Est (MORE)
“Manuel é o rei do mundo”.
Sala dos brasões- Paço de Sintra

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Cervo do monte a água volvia

Cada caixilho dos 72 brasões, mandados pintar por D. Manuel, é acompanhado por um veado que, curiosamente, é envolvido por filactérias no que poderia ser uma aproximação à versão da lenda transmitida por Plínio. Segundo esta, Alexandre o Grande, querendo comprovar a longevidade dos veados, promoveu uma caçada para que os animais fossem cobertos por laços de ouro. Passado um século os laços dourados foram encontrados, cobertos com a gordura dos animais.

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Se D. Manuel queria evocar o memorial dos a longevidade dos feitos dos seus servidores, a sua equiparação a Alexandre, mas também ao Rei Artur resultaria à medida. A verdade é que nas paredes da sala dos brasões a legenda que mandou escrever completa-lhe a equiparação dos préstimos à causa do reino –
“POIS COM ESFORÇOS, LEAIS SERVIÇOS, FORAM GANHADAS, COM ESTAS E OUTRAS TAIS DEVEM SER CONSERVADAS.” As batalhas travadas pelo domínio terreno também são aproximações dos triunfos ao serviço da missão cristã.

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Nota:Este texto é especulação, mas é minha e do arquitecto Pedro Cid- foi ele que reparou no detalhe do número dos brasões não corresponderem a todas as casas do Reino. Eu já tinha a alegoria dos 72 servidores de Cristo para muitas outras coisas, como o número simbólico das cadeiras de coro

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