Usavano gli antichi o per porte o sepolture o altre specie d’ornamenti, in cambio di colonne, termini di varie sorti: chi una figura ch’abbia una cesta in capo per capitello, altri una figura fino a mezzo et il resto, verso la base, piramide overo bronconi d’alberi; e di questa sorte facevano vergini, satiri, putti et altre sorti di mostri o che biz[z]arrie gli veniva loro comodo: secondo che nasceva loro nella fantasia le mettevano in opera. [43]
Ècci un’altra specie di lavori che si chiamano tedeschi, i quali sono di ornamenti e di proporzione molto differenti dagli antichi e da’ moderni; né oggi s’usano per gli eccellenti, ma son fuggiti da loro come mostruosi e barbari, dimenticando ogni lor cosa di ordine – che più tosto confusione o disordine si può chiamare -, avendo fatto nelle lor fabriche, che son tante ch’ànno ammorbato il mondo, le porte ornate di colonne sottili et attorte a uso di vite, le quali non possono aver forza a reggere il peso di che leggerezza si sia. E così per tutte le facce et altri loro ornamenti facevano una maledizzione di tabernacolini l’un sopra l’altro, con tante piramidi e punte e foglie, che, non ch’elle possano stare, pare impossibile ch’elle si possino reggere, et hanno più il modo da parer fatte di carta che di pietre o di marmi. Et in queste opere facevano tanti risalti, rotture, mensoline e viticci che sproporzionavano quelle opere che facevano, e spesso con mettere cosa sopra cosa andavano in tanta altezza che la fine d’una porta toccava loro il tetto. Questa maniera fu trovata dai Goti che, per aver ruinate le fabriche antiche e morti gli architetti per le guerre, fecero dopo, chi rimase, le fabriche di questa maniera a le quali girarono le volte con quarti acuti, e riempierono tutta Italia di questa maledizzione di fabriche, che, per non averne a far più, s’è dismesso ogni modo loro. E Iddio scampi ogni paese da venir tal pensiero et ordine di lavori, che, per essere eglino talmente difformi alla bellezza delle fabriche nostre, meritano che non se ne favelli più che questo. E però passiamo a dire delle volte.
[…]
Successe in quel tempo il sacco di Roma, dove il povero Rosso fu fatto prigione de’ Tedeschi e molto male trattato; per ciò che oltra lo spoliarlo de’ vestimenti, scalzo e senza nulla in testa gli fecero portare adosso pesi e sgombrare quasi tutta la bottega d’un pizzicagnuolo. Per il che da quelli mal condotto, si condusse appena in Perugia, dove da Domenico di Paris pittore fu molto accarezzato e rivestito; et egli disegnò per lui un cartone di una tavola de’ Magi, il quale appresso ui si vede, cosa bellissima.
[…] Ma venne la ruina del sacco di Roma nel MDXXVII, la quale non solo fu cagione che alle arti per un tempo si diede bando, ma ancora che la vita a molti artefici fosse tolta. E mancò poco che Francesco non la perdesse ancor egli; e ciò fu che sul principio del sacco era egli sì in[848]tento alla frenesia del lavorare, che quando i soldati entravano per le case, e già nella sua erano alcuni Tedeschi entrati, egli per romore che facessero non si mosse mai dal lavoro; per il che giunti sopra e vedutolo lavorare, stupiti di quella opera che faceva, lo lasciarono seguitare. E mentre che le crudeltà mettevano quella povera città in perdizione, egli fu da quei Tedeschi proveduto e grandemente stimato, senza che gli fosse fatta offesa alcuna.
Giorgio Vasari, Le Vite de’ più Eccellenti Pittori, Scultori e Architettori– versão em pdf
Afrodite Anadyomene – fresco da Casa de Vénus, Pompeia, séc I aC, segundo cópia de pintura do famoso pintor grego Apeles
[…] Eis finalmente o que seriam as imagens: imitações. E eis para que também serviriam: para imitar. Aqui está a mais mágica das palavras mágicas: faz com que tudo funcione: toma todas as acepções, presta-se a tudo, supõe com Vasari a regola assim como a licenza– e é por esse isso, estrategicamente indispensável, ela nunca é interrogada por ele próprio, jamais criticada. Ele dá o cimento de todas esta semiologia clássica de imagens, como o da estética que só daqui descolará daí a alguns séculos. Permite traçar o círculo, quer dizer, fechar o fecho, permite formular e o rodear em função do que as imagens terão sido pensadas por toda a tradição humanista.
Com efeito, para esta tradição, as imagens assemelham, as imagens significam sob uma mesma e única relação, que era a da imitação. A «imitação da natureza» eis o que se permite exigir a cada imagem uma semelhança e um referencial claramente razoáveis. A «imitação dos Antigos» permitia, quanto a ela, exigir de cada imagem uma significação «cultural», que se nomeava historia ou então allegoria. O círculo idealista consistia por isso em estreitar uma ligação de semelhança com significado; uma ligação colocada na sua maior generalidade, quer dizer, em ocorrência, colocada num cuidado fundamental da «conveniência» e da transparência. Ele definia o constrangimento duma arte poética exprimível nestes termos: «O que se imita bem, significa claramente…e os traços para o dizer- o exprimir, o “declarar”- devem ver-se facilmente». E, uma vez que se tratava de um círculo, a reciprocidade devia também poder verificar-se: «O que significa bem, deve assemelhar-se claramente». O círculo fechava-se finalmente nesta «substância funcional» da imitação.
É preciso sublinhar, pois é importante, o carácter «modernista» – como a dada altura o diz o próprio Vasari- desta construção. Importa sublinhar por qualquer que se interesse pelo significado de palavras como «Idade Média» ou «Renascimento», uma vez que é precisamente no quadro desta construção que tais categorias históricas viram o dia no domínio dos estilos plásticos. Com efeito, Vasari associava espontaneamente a palavra imitazione– chave de abóbada teórica, repito-o, portanto transhistórica, da sua compreensão das imagens – à própria expressão de rinascita del buon disegno. O que é que isto significa, a não ser o facto de que uma tal compreensão visava um sistema de oposições destinadas, se o podemos dizer, a «fazer saltar o tampão da Idade Média» esse imenso período-tampão que tinha, segundo ele, quebrado a utilidade ideal e o crescimento natural das artes imitativas :assim, a imitação naturelle praticada por Apeles (o antico) de um lado; Rafael (o moderno) de outro, opunha-se a todas as tentativas «não naturais» de imitações das quais a Idade Média (o vechio Medieval) tinha fornecido todas as variações bizarras, desde os ornamentos «bárbaros» até aos inverosímeis bestiários e aos espaços não perspécticos das decorações bizantinas. Do mesmo modo, o «período» narrativo, a istoria exigível de toda uma boa imagem, vinha opor-se a todas as obscuridades arborescentes ou exegéticas da imaginária medieval. Do mesmo modo, ainda, a imitação all’antica vinha opor-se às maneiras ditas «gregas», quer dizer, bizantina, ou «bárbara» e «gótica». Enfim, o significado literário e cultivado das obras humanistas vinha opor-se aos modelos sociais de um mundo figurativo assimilado demasiado depressa à famosa «Bíblia dos iletrados» medieval.A aposta era clara, cobre aliás precisamente as distinções teológicas evocadas mais acima, em particular do ignorans e do esteta: a aposta consistia globalmente em substituir ao mundo cultual das imagens medievais (e ao seu modo de produção muitas vezes qualificado de artesanal ) um mundo cultural, humanista, pressupondo-se com a sua «Renascença da imitação», uma definição mais propriamente artística das produções figurativas. A aposta consistia no fundo, muito simplesmente, a não compreender a Idade Média – na plena acepção do verbo «compreender» – numa história da arte nascente, ou pelo menos renascente. Se a história da arte hoje em dia quer compreender as imagens medievais, na sua natureza como nas suas «funções», que deverá fazer, a não ser colocar em questão e radicalmente, os seus pressupostos mais antigos – os mais impensados- aos quais o nascimento da própria disciplina terá de há muito tempo consagrado. […]»
Georges Didi-Huberman, “Imitatiom, représentation, fonction. Remarques sur un mythe épistemologique”, Cahiers du Léopard d’Or, volume 5, 1996, pp. 59- 86).
Consultar também postal do Professor José António Leitão, no blogue: A arte moderna e antes e depois
A 15 de Outubro de 1938, a Pirelli de Milão editou “fuori commercio”, nas oficinas do Instituto Italiano das Artes Gráficas de Bérgamo, um volume sobre Tiziano, com introduções em latim, italiano, português, alemão, inglês, espanhol e francês, precisamente por esta ordem.
De casa de meus pais, onde entrou em data que não sei precisar, mas que não seria muito distante da data da edição, passou à minha, em 1997, quando se fechou a casa original e originária. Do livro se fizeram 500 exemplares numerados e o que hoje é meu tem o número 362. Da história da edição, da razão dela, nada mais sei. Sei é que, ainda antes do meu primeiro livro de pintura, já abordado em outras crónicas, e que me deram tinha eu 8 anos, foi esse livro encadernado de carneira, com capa onde só figura a maiúsculas douradas o nome Tiziano, o primeiro livro que me mostrou fantásticas figuras e me iniciou à pintura. “Titianus Vecellius, qui Vasari judicio praeter omnes artifices naturae imaginem mirum in modum expressit”, era a sentença inicial do texto latino. Na versão portuguesa traduzia-se: “O mais belo e mais perfeito imitador da natureza segundo Vasari.”
Minha primeira questão: quem era esse Vasari, autoritariamente citado, ainda antes da informação sobre a data e o local do nascimento do pintor? Não recordo se mo explicaram.(…) Vasari surgiu-me entre as brumas do latim e entre essa bruma ainda hoje o situo. Só muito, muito depois, aprendi que era o autor de “Le Vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti” e que essa obra é o primeiro texto fundamental sobre a história da arte italiana. Tinha um rosto comprido e pálido, uns olhos claros e tristes e uma longa barba negra. As suas “vidas” começam em Cimabue (século XIII) e vão até aos “nossos tempos”, tempos dele, tempos do maneirismo, publicadas que foram em 1550, em Florença, tinha Vasari (1511-1574) trinta e nove anos.
Ninguém mais escreveu sobre a pintura italiana desses trezentos anos sem o citar. E se começou com Cimabue, quis “anco nel fine di queste mie fatiche raccórre insiemi e far note al mondo l’opere che la divina bontà mi ha fatto grazia di condurre”. Ou seja, ele, como pintor, encerra o livro (os muitos livros) que dedicou a 182 predecessores, não incluindo um vasto etecetera.
Nunca mais se escreveu – nem se podia escrever – uma obra assim. Ninguém mais acreditou, como Vasari, que a “história, em verdade, deve ser o espelho da vida humana, não para narrar os casos acontecidos a um príncipe ou a uma república, mas para registar os conselhos, os caminhos e os artifícios dos homens”.
Vasari, para mim, é tanto o cheiro desse livro (falo do “meu” Tiziano), como o exemplo impossível de uma aproximação em que gostaria de me incluir, para pintar narrando ou historiar pintando. Quem me queira acusar de delírios megalómanos tem citação fiável no período precedente. Se quiserem esquecer que eu escrevi “exemplo impossível” e que o lúcido conhecimento dessa impossibilidade impede qualquer outra leitura que não a de um sonho por haver ou a de um sonho para ver.2 – Mas talvez não seja por acaso que me lembre de Vasari em qualquer museu, em qualquer exposição. A crítica de arte e a história da arte progrediram imenso desde 1550 até aos meus tempos? Não duvido. Mas a fascinação das vidas e dos vivos que essas vidas viveram talvez nunca mais tenha sido igualada. O que aqueles olhos viram outros olhos nenhuns verão como ele o viu. Olhar de pintor sobre a pintura, lançado na escrita, quando as imagens se lhe formaram no pensamento. (…)
João Bénard da Costa, in Público, 19 de Dezembro 2003.