O abade Suger (c. 1081-1151), conselheiro dos reis Luís VI e Luís VII, pretendeu fazer da igreja abadia de S. Dinis um templo digno da dinastia que servia. Para este fim, dirigiu e orientou as obras de reconstrução em todos os seus pormenores, tendo o cuidado de se rodear dos melhores técnicos e operários da época. Quando a igreja foi sagrada, em 1144, tinha nascido um novo estilo, o gótico.
[…] libertos dos ditos trabalhos e retardando o acabamento das torres nas suas partes superiores, esforçar-nos-íamos com todas as nossas possibilidades por nos consagrarmos ao trabalho e despesas […] de alargar a igreja nossa mãe. […] Deliberando sob a inspiração de Deus, optámos […] por respeitar as verdadeiras pedras, que são sagradas como se fossem relíquias; [e] por tentar enobrecer o novo acrescentamento, que ia ser iniciado sob a pressão de tão grande necessidade, com a beleza da extensão e da amplidão.
Depois de se ter considerado, foi pois decidido remover aquela abóbada […] que por cima fechava a ábside contendo os corpos dos nossos Santos Protectores, todo ao longo da parte superior da cripta a que aderia; de forma que esta cripta pudesse oferecer o seu topo como um pavimento aos que se aproximassem por qualquer das duas escadas, e apresentar os relicários dos Santos, adornados com ouro e pedras preciosas, aos olhares dos visitantes, num lugar mais elevado. Além disto, providenciou-se habilidosamente para que —através das colunas superiores e dos arcos centrais que iriam ser colocados sobre as inferiores construídas na cripta — a nave central antiga fosse igualada, por meio de instrumentos geométricos e aritméticos, com a nave central do novo acrescentamento; e, da mesma maneira, que as dimensões das antigas naves laterais fossem igualadas com as dimensões das novas, excepto naquele elegante e louvável acrescentamento [em forma de] um rosário circular de capelas, devido ao qual toda a [igreja] brilhará com maravilhosa e ininterrupta luz de muitas janelas sagradas iluminando a beleza interior.
[…] quando o trabalho do novo acrescentamento com os seus capitéis e grandes arcos estava a ser levado ao máximo da sua altura, mas os arcos principais — aguentando-se por si próprios — ainda não estavam unidos uns aos outros, como deveriam estar, pelo volume das abóbadas, surgiu de repente uma terrível e quase insustentável tempestade, com uma ofuscação de nuvens, uma inundação de chuva e violentíssimas rajadas de vento. […] No entanto, enquanto [a tempestade] trouxe calamitosas ruína em muitos lugares, em edifícios que se pensava serem firmes, foi incapaz de prejudicar estes arcos isolados e construídos de fresco, vacilantes no meio do ar, porque foi repelida pelo poder divino.
[CEuvres Completes de Suger, ed. e anot. de A. Lecoy de Ia Marche,
Société de 1’Histoire de France, Paris, 1867, pp. 224, 225 e 230.] in Fernanda Espinosa, Antologia de textos históricos medievais, Lisboa, Sá da Costa, 3ª edição, 1981.
arcos botantes de Saint-Denis: